Este é um livro estranho. Creio que essa possa ser uma das melhores qualidades de um livro — ou de qualquer obra artística. A estranheza sugere originalidade — embora existam, na arte, estranhezas gratuitas e um tanto vazias; experimentações inócuas de forma e conteúdo; transgressões sem finalidade específica, estéticas ou só chocantes. Então é bom explicar que a boa estranheza deste livro não emana da busca por uma forma inovadora de escrita — o texto é bem formal e claro — nem por um choque temático ou impactante — parece até falar sobre coisas banais. O inusitado, que leva ao estranhamento, é como vemos, diante de nós, as formulações, dúvidas, questões e conclusões do narrador de maneira subjetiva e subjacente. Vamos entendendo e nos identificando com ele. Esse reconhecimento vai se estendendo e se distendendo, enquanto vamos concordando e discordando do narrador, enquanto vamos reconhecendo como certas ou erradas suas atitudes e pensamentos, enquanto vamos percebendo que ele é humano, como nós — demasiado humano, como nós. E chegamos à conclusão, através da leitura, que não há nada mais estranho que o ser humano. Esta é uma leitura para adultos, com mente aberta, e dispostos a pensar a própria vida através da vida de outro. Estamos acostumados a usar nossa própria régua na medida de nossos atos e posicionamentos — é bom conhecer a experiência de alguém para avaliarmos nossa posição no mundo. Somos todos estranhos — mas podemos melhorar.
